O corpo que fala
- rosangelaferreirap3
- 25 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de jun.
Quando o corpo sussurra e a mente silencia
Por Rosângela Ferreira
Vivemos em uma sociedade que valoriza o desempenho, a produtividade e a superação — muitas vezes, à custa de nós mesmos. O corpo, nesse contexto, passa a ser visto como uma máquina que precisa funcionar, resistir, suportar. Mas o corpo não esquece. Ele sente. Ele fala. E quando não é escutado, adoece.
O corpo é um canal direto da alma. Os sintomas físicos ou emocionais que emergem não são meros problemas a serem "consertados", mas mensageiros que nos convidam a olhar para algo mais profundo: desequilíbrios emocionais, transtornos mentais, padrões herdados, feridas da infância, vivências não integradas.
Antes de se tornar um grito, o corpo sussurra. Ele avisa através da insônia, da fadiga sem causa aparente, das dores recorrentes, da ansiedade constante, do vazio que não se preenche. Cada sintoma carrega um pedido: "Olhe para mim. Escute-me. Algo em você precisa de cuidado." Muitas vezes, a mente tenta racionalizar ou suprimir esses sinais: “É só estresse”, “Depois passa”, “Não tenho tempo para isso agora.” Mas ignorar o corpo é calar a sabedoria interna. É negar a linguagem mais ancestral que temos.
O corpo é também o lugar onde a memória emocional se manifesta. O que não foi dito, o que foi reprimido, o que foi herdado de gerações anteriores pode se manifestar como um sintoma no presente — um convite à escuta, não à repressão.
O sintoma como porta de entrada. Em vez de perguntar “Como elimino esse sintoma?”, podemos nos perguntar:
O que meu corpo está tentando me dizer?
Há algo em mim que precisa ser reconhecido?
Estou vivendo de forma coerente com quem sou?
Essa mudança de pergunta desloca a atenção da luta para o cuidado, da resistência para a escuta. Não se trata de romantizar a dor, mas de entendê-la como sinal. Uma dor que é vista pode se transformar. Uma dor ignorada, geralmente, se intensifica.
Práticas de presença e autorregulação emocional. Aqui estão algumas práticas simples, mas profundas, para escutar o corpo e cuidar da sua saúde emocional:
Escuta corporal diáriaReserve dois minutos do seu dia para fechar os olhos, respirar profundamente e perguntar ao seu corpo:“Como você está hoje?”Observe sensações, tensões, desconfortos. Apenas reconheça, sem tentar mudar nada.
Diário emocionalAnote, todos os dias, como você se sentiu. Não o que aconteceu, mas como você se sentiu diante do que aconteceu. Isso ajuda a nomear emoções e identificar padrões.
Toque consciente. Coloque as mãos sobre o peito ou sobre o abdômen e respire. Sinta o calor das mãos, a respiração que entra e sai. Esse gesto simples comunica ao seu sistema nervoso que você está presente e seguro(a).
Movimento intuitivo. Mexa o corpo ao som de uma música suave. Deixe que ele se expresse, sem julgamento. O movimento libera tensões e resgata a escuta interna.
Quando o sintoma vem da história: o olhar sistêmico para as dores do corpo
Na abordagem sistêmica, os sintomas não são apenas manifestações biológicas isoladas — eles podem estar ligados a histórias mal resolvidas, a vínculos familiares interrompidos ou a emoções não expressas. O corpo pode carregar, muitas vezes em silêncio, o que a psique ainda não conseguiu elaborar.
Caso clínico: A dor que não era só física
Cliente, 42 anos, chegou ao consultório com queixas de enxaquecas constantes, há mais de três anos. Já havia feito diversos exames neurológicos e tomado diferentes medicações, sem melhora significativa. Durante a escuta terapêutica, relatava uma vida “funcional”, mas marcada por um sentimento de esgotamento constante. A dor de cabeça surgia, sobretudo, após encontros familiares.
Ao explorarmos suas relações, especialmente com os pais, emergiu um padrão: a cliente se sentia responsável por manter a harmonia da família desde muito jovem. Após o divórcio dos pais, quando tinha apenas 10 anos, ela “assumiu” o papel de cuidadora da mãe emocionalmente fragilizada e do irmão mais novo. Nunca teve espaço para viver sua própria infância.
Durante um exercício de visualização sistêmica, a cliente pôde “devolver” simbolicamente aos pais as responsabilidades que havia carregado precocemente.
Pela primeira vez, reconheceu a criança que havia se calado para proteger os outros. Ao final da sessão, emocionada, disse: “Sinto como se tivesse tirado uma mochila invisível das costas. Nunca tinha pensado que a dor na cabeça podia ser a voz da criança que nunca descansei.”
Com o tempo, suas enxaquecas diminuíram significativamente. O que antes era só sintoma tornou-se portal para sua cura.
Esse caso mostra o que a visão sistêmica nos ensina: o corpo fala quando a alma ainda não foi ouvida. Muitas dores que tratamos como “problemas a resolver” são, na verdade, histórias pedindo reconexão.

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