O ponto cego: entre a psique, a complexidade e a incompletude do saber
- rosangelaferreirap3
- 20 de ago.
- 2 min de leitura
Por Rosânggella Fêrreira
O ponto cego pode ser compreendido como aquilo que escapa à percepção consciente, mas que, paradoxalmente, organiza e influencia nossas formas de ser e agir no mundo. Na Psicanálise, Freud (1915/2010) já indicava que o inconsciente constitui essa região não iluminada da mente, que insiste em retornar por meio de lapsos, sintomas e formações de compromisso. Lacan (1966/1998), por sua vez, reforça a noção de um saber que não se sabe, um “furo” na estrutura simbólica que constitui o sujeito. Nesse sentido, o ponto cego psíquico não é apenas ausência, mas condição estruturante: aquilo que, não visto, governa a cena visível da existência.
Sob a ótica do pensamento sistêmico complexo, inspirado em Edgar Morin, o ponto cego se desdobra no âmbito epistemológico. Todo conhecimento é necessariamente parcial e situado, implicado em limites perceptivos e culturais. Como afirma Morin (2005), o pensamento complexo busca “articular, contextualizar e integrar” aquilo que a simplificação tende a fragmentar, mas nunca consegue alcançar a totalidade. Assim, o ponto cego se apresenta como a impossibilidade de abarcar o real em sua inteireza, impossibilidade que não deve ser negada, mas reconhecida como fonte de abertura ao diálogo, à incerteza e à autocrítica.
Entre Psicanálise e pensamento complexo, emerge uma confluência: tanto a estrutura psíquica quanto a estrutura do conhecimento humano são marcadas por incompletude. Há sempre um resto não representável, um não-sabido, que tensiona nossos esforços de controle e racionalização. O ponto cego, nesse diálogo, se configura não como mera falha, mas como condição ontológica e epistemológica. Ele nos convoca àquilo que Morin (2011) denomina “humildade cognitiva”: reconhecer que nossa visão é sempre parcial, que o real excede qualquer teoria, e que só a abertura ao outro — seja o outro sujeito, seja outro campo de saber — pode ampliar o horizonte de compreensão.
Nesta perspectiva do pensar, o ponto cego é, ao mesmo tempo, psíquico e epistêmico. Na clínica psicanalítica, ele se manifesta nos sintomas e repetições que pedem interpretação; no campo da complexidade, ele aponta para os limites estruturais da razão moderna. Entre ambos, ele se torna um convite ético: sustentar a incompletude sem reduzi-la, acolher o não visto como parte essencial da vida humana e da produção de conhecimento.
Referências Bibliográficas
FREUD, S. O inconsciente (1915). In: FREUD, S. Obras Completas, v. 12. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
LACAN, J. Écrits. Paris: Éditions du Seuil, 1966. Tradução brasileira: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005.
MORIN, E. A via: para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

Comentários