top of page
Buscar

Emoções tóxicas adoecem

  • rosangelaferreirap3
  • 7 de out.
  • 3 min de leitura

Por Rosânggela Ferreira


As emoções são expressões complexas da vida psíquica e corporal, articulando dimensões cognitivas, fisiológicas e relacionais. Quando reprimidas, negadas ou mantidas em estado crônico de ativação, podem tornar-se tóxicas, promovendo desequilíbrios significativos na saúde física e mental. A compreensão contemporânea das emoções revela que o corpo e a mente formam um sistema integrado, e que o adoecimento emocional é, em muitos casos, a expressão somática de conflitos não simbolizados.


A fisiologia das emoções e o estresse crônico


Do ponto de vista neurobiológico, as emoções envolvem a ativação do sistema límbico, em especial da amígdala cerebral, responsável por processar estímulos relacionados ao medo e à sobrevivência. Essa ativação desencadeia a liberação de hormônios do estresse — adrenalina e cortisol — pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), preparando o corpo para respostas rápidas a ameaças externas (DAMASIO, 2010).


Entretanto, quando tais estados emocionais se prolongam, como ocorre em situações de medo, raiva, culpa ou ressentimento persistentes, o organismo permanece em estado de alerta contínuo. Essa condição gera uma sobrecarga fisiológica, comprometendo o sistema imunológico e predispondo o indivíduo a doenças cardiovasculares, metabólicas e psiquiátricas (MCEWEN, 2007).


Estudos em psiconeuroimunologia demonstram que o estresse emocional crônico altera o funcionamento de neurotransmissores e reduz a resposta imunológica, confirmando a interdependência entre estados mentais e respostas corporais (PERT, 1997). Assim, emoções tóxicas não são apenas fenômenos subjetivos, mas eventos biológicos mensuráveis com repercussões sobre o bem-estar integral.


A leitura psicanalítica das emoções reprimidas


Na psicanálise, emoções que não encontram expressão simbólica, que não são nomeadas, pensadas ou reconhecidas, tendem a retornar ao corpo sob forma de sintoma. Freud (1917) já afirmava que “a energia psíquica que não é transformada em palavras retorna como sintoma somático”, destacando o papel da repressão como mecanismo inconsciente de defesa que, embora proteja temporariamente o ego, tem custo elevado à saúde emocional.


A literatura psicanalítica posterior aprofunda essa compreensão, como em Winnicott (1960), que associa o adoecimento emocional à ausência de um ambiente suficientemente bom para acolher as expressões afetivas do sujeito, e em Bion (1962), que descreve o processo de contenção emocional como essencial para a metabolização dos afetos. Dessa forma, emoções tóxicas são, na perspectiva psicanalítica, emoções não pensadas, que permanecem no corpo como resíduos de experiências não simbolizadas.


Neuroplasticidade e regulação emocional


Pesquisas recentes em neurociência afetiva mostram que as emoções moldam a arquitetura cerebral através da neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de reorganizar-se em resposta às experiências (DAVIDSON, 2012). Emoções positivas e práticas de autorregulação emocional, como mindfulness e psicoterapia, estimulam circuitos de bem-estar e reduzem a reatividade da amígdala, fortalecendo a autorregulação e a resiliência (GOLEMAN, 2006; SIEGEL, 2010).


Isso indica que o adoecimento emocional não é um destino fixo, mas um processo reversível, que pode ser transformado pela consciência, pela linguagem e pela experiência relacional segura.


A perspectiva sistêmica: emoções herdadas e vínculos


No campo das abordagens sistêmicas, Bert Hellinger (2001) propõe que muitas emoções tóxicas são herdadas transgeracionalmente, vinculadas a lealdades invisíveis e identificações inconscientes com membros da família que sofreram exclusão ou trauma. Essas dinâmicas inconscientes podem aprisionar o indivíduo em padrões emocionais de culpa, medo e ressentimento, que se manifestam em sintomas físicos ou emocionais.


A cura, nesse contexto, envolve reconhecer e incluir o que foi excluído, restaurando o fluxo vital interrompido. Essa compreensão amplia o olhar sobre o adoecimento, situando as emoções tóxicas não apenas como fenômenos individuais, mas como expressões de campos relacionais desequilibrados.


Conclusão


As emoções tóxicas adoecem porque interrompem o fluxo natural da energia vital e alteram profundamente os sistemas biológicos e simbólicos que sustentam a vida. A integração entre neurociência, psicanálise e pensamento sistêmico aponta que a saúde emocional depende da capacidade de reconhecer, simbolizar e regular as emoções. Assim, o trabalho terapêutico e o cultivo de vínculos seguros tornam-se caminhos possíveis de ressignificação e autocura, restabelecendo a harmonia entre corpo, mente e campo relacional.



Referências Bibliográficas


BION, W. R. Learning from Experience. London: Heinemann, 1962.


DAMASIO, A. R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.


DAVIDSON, R. J.; BEGLEY, S. The Emotional Life of Your Brain. New York: Hudson Street Press, 2012.


FREUD, S. (1917). Luto e melancolia. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974.


GOLEMAN, D. Emoções destrutivas: como compreendê-las e dominá-las. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.


HELLINGER, B. A simetria oculta do amor: sobre as ordens do amor. Petrópolis: Vozes, 2001.


MCEWEN, B. S. Physiology and neurobiology of stress and adaptation: central role of the brain. Physiological Reviews, v. 87, n. 3, p. 873–904, 2007.


PERT, C. Molecules of Emotion: The Science Behind Mind-Body Medicine. New York: Scribner, 1997.


SIEGEL, D. J. The Mindful Brain: Reflection and Attunement in the Cultivation of Well-Being. New York: W.W. Norton, 2010.


WINNICOTT, D. W. The Theory of the Parent-Infant Relationship. International Journal of Psycho-Analysis, v. 41, p. 585–595, 1960.

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo

Comentários


Todos os direitos reservados -  © Copyright 2024 - Rosângela Ferreira

bottom of page