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Ansiedade no cotidiano clínico: entre o corpo que não descansa e a mente que não silencia.

  • rosangelaferreirap3
  • 8 de set.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 9 de set.

Por Rosânggela Fêrreira


A ansiedade é parte constitutiva da experiência humana. Em pequenas doses, mobiliza energia, nos prepara para agir diante de desafios e nos protege em situações de risco. Mas, quando se torna intensa e constante, passa a ser fonte de sofrimento, desgastando corpo e mente. Identificar seus sinais no dia a dia é um passo essencial não apenas para prevenir adoecimentos, mas também para compreender o que o próprio organismo e o inconsciente estão tentando comunicar.


Do ponto de vista da neurociência, a ansiedade tem como palco principal o sistema límbico, especialmente a amígdala cerebral, que atua como um detector de ameaças. Diante de estímulos percebidos como perigosos , ainda que não sejam reais , a amígdala dispara sinais que ativam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), liberando hormônios como o cortisol e a adrenalina (LEDOUX, 2020). O corpo entra em estado de alerta: coração acelerado, respiração curta, músculos tensionados, sono fragmentado. Quando essa ativação se prolonga, o córtex pré-frontal, responsável pela concentração e pelo planejamento, perde eficiência (DAMÁSIO, 2012). É como se o cérebro se tornasse refém do alarme interno, dificultando decisões e clareza de pensamento.


Já a Psicanálise entende a ansiedade como algo mais profundo do que uma reação biológica. Freud (1926/2014) a descreveu como um sinal de alarme do ego, acionado quando conteúdos inconscientes ameaçam vir à tona. Para Lacan (2005), a ansiedade não se reduz ao medo de um objeto concreto, mas surge quando o sujeito se confronta com a falta e com a imprevisibilidade do desejo do outro. É nesse terreno subjetivo que se revelam sinais sutis no cotidiano: a pressa que não permite esperar, a incapacidade de relaxar mesmo nos momentos de lazer, a sensação de vazio após conquistas, a compulsão por distrações como redes sociais para escapar do silêncio interior.


Quando colocamos essas leituras lado a lado, percebemos que a ansiedade é tanto um corpo em alerta quanto uma mente inquieta. Ela se manifesta no ritmo acelerado das batidas do coração e, ao mesmo tempo, no excesso de pensamentos que não se desligam. Nesse sentido, mais do que um transtorno a ser combatido, ela é também um convite à escuta: o que minha fisiologia revela sobre meu modo de viver? O que minha angústia denuncia sobre os conflitos que ainda não elaborei?


Para lidar com a ansiedade cotidiana, a ciência aponta caminhos simples e consistentes:

  • Técnicas de respiração diafragmática ajudam a acalmar o sistema nervoso, reduzindo a ativação da amígdala (SOUZA; MARTINS, 2021).

  • A atividade física regular libera endorfinas e fortalece a neuroplasticidade, favorecendo a regulação emocional (RATEY, 2008).

  • O cuidado com a higiene do sono, como manter horários regulares e evitar telas antes de dormir , reduz a sobrecarga do eixo do estresse.

  • Práticas contemplativas, como mindfulness e meditação, têm mostrado eficácia em diminuir a hiperatividade cerebral ligada à ansiedade (GOLEMAN; DAVIDSON, 2018).


Mas há algo que não pode ser esquecido: práticas corporais e estratégias de regulação emocional e física são importantes, porém não substituem a necessidade de olhar para dentro. A Psicanálise nos lembra que a ansiedade também fala de histórias, perdas, desejos e vínculos. Por isso, o processo de escuta psicanalítica continua sendo um espaço privilegiado para dar sentido ao que o corpo expressa e ao que a mente insiste em esconder.


Reconhecer a ansiedade no cotidiano, portanto, não significa apenas listar sintomas. É aprender a escutar tanto o corpo que pede descanso quanto a mente que denuncia um excesso de exigências. Entre a objetividade da neurobiologia e a subjetividade da Psicanálise, a ansiedade revela nossa condição de seres atravessados por sinapses e símbolos, hormônios e palavras. E é nesse entrelaçamento que podemos transformar a inquietação em oportunidade de autoconhecimento e cuidado.



Referências Bibliográficas


DAMÁSIO, A. R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.


FREUD, S. Inibições, sintomas e ansiedade (1926). In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 2014.


GOLEMAN, D.; DAVIDSON, R. J. A ciência da meditação: como transformar o cérebro, a mente e o corpo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.


LACAN, J. O Seminário, livro 10: A angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: Zahar, 2005.


LEDOUX, J. A mente ansiosa: do medo à esperança. São Paulo: Planeta, 2020.


RATEY, J. Spark: The revolutionary new science of exercise and the brain. New York: Little, Brown and Company, 2008.


SOUZA, A. L.; MARTINS, R. G. Respiração e autorregulação emocional: contribuições para práticas clínicas. Revista Psicologia & Saúde, v. 13, n. 2, p. 55-66, 2021.

 
 
 

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