Processos neurobiológicos, emocionais e sistêmicos na tomada de decisão
- rosangelaferreirap3
- 22 de nov.
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de dez.
Por Rosânggela Fêrreira
Este artigo analisa os processos neurobiológicos, emocionais e relacionais envolvidos na tomada de decisão, integrando achados da Neurociência contemporânea com contribuições da Psicanálise e do Pensamento Sistêmico. Discute-se o papel dos principais neurotransmissores: dopamina, serotonina, noradrenalina, glutamato, GABA e acetilcolina, e sua relação com circuitos corticais e subcorticais, incluindo córtex pré-frontal, amígdala, hipocampo, ínsula, córtex cingulado anterior e núcleo accumbens. Além disso, o artigo apresenta as camadas da emoção (fisiológica, experiencial, cognitiva e comportamental) e sua influência direta na formação de julgamentos, escolhas e comportamentos decisórios. Propõe-se uma visão interdisciplinar que considera a tomada de decisão como fenômeno complexo, situado entre processos neurobiológicos, vínculos afetivos e dimensões inconscientes.
Palavras-chave: tomada de decisão; neurotransmissores; emoção; neurociência; psicanálise; visão sistêmica.
Introdução
A tomada de decisão é um dos processos mais complexos do funcionamento humano. Longe de ser exclusivamente racional, ela emerge da interação entre sistemas cognitivos, emocionais, neuroquímicos e relacionais. A literatura das neurociências demonstra que decidir implica ativação de múltiplos sistemas neurais, envolvendo avaliação de riscos, antecipação de recompensas, memória, regulação emocional e motivação (KAHNEMAN, 2011; DAMASIO, 2012).
Do ponto de vista psicanalítico, decidir envolve conflitos inconscientes, desejos, defesas e repetição de padrões internalizados (FREUD, 1923; GREEN, 1988). Já o pensamento sistêmico compreende as escolhas como movimentos produzidos dentro de campos relacionais, permeados por lealdades, pertences e dinâmicas intergeracionais (HELLINGER, 1998; SCHNEIDER, 2020).
O presente artigo integra essas três perspectivas, articulando os substratos neurobiológicos e emocionais que sustentam o ato de decidir com processos afetivos e inconscientes que modulam tal experiência. A inclusão das camadas da emoção: fisiológica, experiencial, cognitiva e comportamental. aprofunda a compreensão do fenômeno como unidade indissociável entre corpo, mente e contexto.
Neurotransmissores na Tomada de Decisão
A - Dopamina - A dopamina é central para processos motivacionais e para o sistema de recompensa. Atua no circuito mesolímbico (área tegmental ventral e núcleo accumbens) e no circuito mesocortical, projetando para o córtex pré-frontal (VOLKMANN et al., 2020).
Funções decisórias:
expectativa de recompensa;
motivação e impulso para a ação;
aprendizado por reforço.
Desequilíbrios dopaminérgicos podem gerar impulsividade, procrastinação ou busca excessiva de gratificação imediata.
B - Serotonina - Relaciona-se com estabilização emocional, controle inibitório e modulação de impulsos. Atua principalmente no córtex pré-frontal, amígdala e núcleo da rafe (DAYAN; HUYS, 2009).
Funções decisórias:
tolerância à espera;
regulação do risco;
estabilidade emocional.
Baixos níveis podem favorecer decisões precipitadas.
C - Noradrenalina - Produzida pelo locus coeruleus, influencia estados de alerta e vigilância.
Funções decisórias:
direcionamento atencional;
avaliação de ameaças;
prontidão para ação.
Em excesso, conduz à hipervigilância e medo; em baixa, reduz responsividade.
D - Glutamato - Principal neurotransmissor excitatório, fundamental para memória de trabalho, análise cognitiva e formação de novas sinapses.
Regiões envolvidas:
córtex pré-frontal;
hipocampo;
córtex parietal.
E - GABA - Principal neurotransmissor inibitório, responsável pela modulação e organização da atividade neural.
Regiões associadas:
córtex pré-frontal ventromedial;
sistema límbico;
tálamo.
Promove calma, clareza mental e redução da ansiedade.
F - Acetilcolina - Atua nos sistemas atencional e de flexibilidade cognitiva, especialmente no córtex pré-frontal, córtex parietal e hipocampo.
Funções decisórias:
foco;
aprendizagem;
mudança de estratégia.
Regiões Cerebrais Relacionadas à Tomada de Decisão
A - Córtex Pré-Frontal (CPF) - É o centro executivo da tomada de decisão.
Subdivisões:
CPF dorsolateral: lógica, planejamento, cálculo;
CPF ventromedial: integração emocional;
CPF orbitofrontal: avaliação de recompensas e punições.
B - Amígdala - Avalia ameaças, riscos emocionais e relevância afetiva. Fundamental nas decisões sob medo, perigo ou incerteza.
C - Hipocampo - Relaciona experiências passadas, memória contextual e aprendizado com o processo decisório.
D - Ínsula - Relacionada à percepção interna (interocepção) e ao “sentir as consequências” de cada escolha. Atua na aversão à perda e na tomada de risco.
F - Córtex Cingulado Anterior - Monitora conflitos, erros e dilemas, participando do ajuste da estratégia decisória.
G - Núcleo Accumbens - Estrutura central para motivação e recompensa. Atua principalmente com dopamina na antecipação de prazer.
Camadas da Emoção e sua Influência no Processo Decisório
A emoção é compreendida aqui como fenômeno multidimensional composto por quatro camadas interdependentes:
A - Dimensão fisiológica - Envolve:
liberação hormonal;
ativação autonômica;
ajustes cardiopulmonares;
Exemplo de respostas rápidas mediadas pela amígdala.
É a base corporal da decisão.
Ex.: taquicardia → aumento de noradrenalina → tendência à decisão defensiva.
B - Dimensão experiencial - Refere-se à vivência subjetiva, às sensações sentidas no corpo e ao significado emocional atribuído ao evento.
Exemplo.: sensação de ameaça, entusiasmo, vergonha, alegria.
C - Dimensão cognitiva - Envolve:
interpretação;
avaliação;
comparação entre opções;
previsão de cenários futuros.
Está ligada ao CPF, ao glutamato e à acetilcolina.
D - Dimensão comportamental - É a expressão final da emoção: aproximação, afastamento, luta, fuga, ação impulsiva ou ponderada.
A decisão é, portanto, o resultado direto dessa interação.
Psicanálise e Processos Inconscientes nas Decisões
A Psicanálise compreende as escolhas como marcadas por:
Desejos inconscientes;
Repetições e padrões relacionais;
Conflitos internos não simbolizados;
Defesas psíquicas (evitação, racionalização, acting out).
Decisões “irracionais” frequentemente expressam uma lógica profunda do inconsciente, que busca manter coerência com histórias internalizadas na infância (FREUD, 1923; GREEN, 1988).
Perspectiva Sistêmica e Campos Relacionais
Na visão sistêmica, decisões não são individuais, mas atravessadas por:
pertencimento;
lealdades invisíveis;
dinâmicas intergeracionais;
necessidade de equilíbrio entre dar e receber;
ordens e lugares nos sistemas.
Muitas escolhas, especialmente as difíceis, buscam manter o vínculo ou proteger o sistema, mesmo que tragam prejuízo ao indivíduo.
Integração dos Três Eixos: Neurobiologia, Emoção e Campo Relacional
A tomada de decisão é resultado da convergência entre:
Neurobiologia: neurotransmissores, redes neurais, emoções corporais.
Psicanálise: desejos, conflitos, inconsciente, repetições.
Visão Sistêmica: pertencimento, vínculos e campos relacionais.
Decidir é sempre um movimento multidimensional.
Este artigo buscou integrar os principais substratos neurobiológicos, emocionais e relacionais envolvidos na tomada de decisão. Ao considerar neurotransmissores, estruturas cerebrais, camadas emocionais, processos inconscientes e dinâmicas sistêmicas, amplia-se a compreensão desse fenômeno como experiência viva, complexa e profundamente humana.
Referências Bibliográficas
DAMASIO, A. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
DAYAN, P.; HUYS, Q. J. Serotonin in affective control. Annual Review of Neuroscience, v. 32, p. 95-126, 2009.
FREUD, S. O Eu e o Id. Rio de Janeiro: Imago, 1923.
GREEN, A. O Discurso Vivo. Rio de Janeiro: Imago, 1988.
HELLINGER, B. A Simetria Oculta do Amor. São Paulo: Cultrix, 1998.
KAHNEMAN, D. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. São Paulo: Objetiva, 2011.
SCHNEIDER, J. Family Constellations: Principles and Practices. New York: Routledge, 2020.
VOLKMANN, L. et al. Neurobiological mechanisms of reward and decision-making. Nature Neuroscience, v. 23, p. 1494-1506, 2020.

Comentários