As Leis do Amor e Suas Dimensões de Cura: Um Diálogo entre Hellinger e a Psicanálise Contemporânea
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- 22 de nov.
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Por Rosânggela Fêrreira
A proposta de Bert Hellinger ao formular as chamadas Leis do Amor, como pertencimento, ordem (hierarquia) e equilíbrio entre dar e receber, representa uma tentativa de observar padrões relacionais que se repetem inconscientemente e que moldam, muitas vezes de modo silencioso, as dinâmicas de sofrimento humano. Embora situadas em referenciais distintos, essas leis encontram uma rica possibilidade de diálogo com a Psicanálise, sobretudo quando pensamos a constituição do sujeito, o lugar do Outro e os movimentos de transmissão psíquica entre gerações.
Pertencimento: o laço que funda o ser
Para Hellinger, todos têm direito de pertencer. A exclusão, seja de um membro da família, de uma história, de um afeto ou de uma dor gera desordem no sistema e tende a ser compensada por outras gerações, que tentam “repor” o que foi negado.
Do ponto de vista psicanalítico, o pertencimento remete à função do Outro na constituição do sujeito. Freud já apontava, em Totem e Tabu, que o laço social não é um adorno, mas a estrutura essencial pela qual o sujeito se inscreve no campo simbólico. Excluir alguém da narrativa familiar equivale, em termos psíquicos, a forcluir uma parte da história, criando buracos simbólicos que retornam na forma de sintomas, repetições, identificações inconscientes ou lealdades invisíveis.
Winnicott, por sua vez, reforça que a saúde emocional nasce da experiência primordial de existir no outro, na mãe suficientemente boa, no ambiente que acolhe e espelha. O pertencimento, nessa perspectiva, é uma experiência afetiva antes de ser um conceito. Quando alguém é excluído ou não reconhecido, o sistema como um todo vive uma ruptura na continuidade de ser.
Assim, tanto para Hellinger quanto para a Psicanálise, a exclusão produz sofrimento. E a cura se inaugura quando o sujeito ou o sistema familiar reconhece aquilo que foi afastado e inclui o que antes não podia ser nomeado.
Hierarquia: a ordem que organiza o desejo
Na visão sistêmica, a ordem remete ao fato de que cada membro ocupa um lugar específico no fluxo da vida. Os pais vêm antes, os filhos depois; cada um tem seu tempo de chegada. Romper essa ordem gera inversões de papéis, como filhos que se tornam “pais de seus pais”, ou parceiros que ocupam lugares parentais um para o outro.
Na Psicanálise, esse ponto encontra eco na noção de estrutura do desejo. Lacan descreve que a função paterna não é biológica, mas simbólica: ela instaura limites, organiza o campo do desejo e separa a criança da fusão imaginária com a mãe. Quando a hierarquia simbólica falha, surgem confusões de lugar que afetam diretamente a constituição subjetiva, crianças hiperresponsáveis, adultos que não conseguem assumir seu próprio desejo, casais que vivem dinâmicas de dependência ou submissão.
O que Hellinger chama de “ordem” pode ser lido, psicanaliticamente, como a possibilidade de cada sujeito assumir seu lugar na cadeia geracional, sem carregar funções que não lhe pertencem. A cura ocorre quando o sujeito pode dizer internamente: “Eu tomo meu lugar.” Esse movimento rompe identificações patológicas e libera energia psíquica para viver o presente.
Equilíbrio entre dar e receber: a ética do vínculo
Hellinger propõe que, nos vínculos entre iguais (casais, amizades, relações profissionais), a saúde depende de um fluxo equilibrado de dar e receber. Quando um dá excessivamente e o outro apenas recebe, instala-se ressentimento, culpa ou distanciamento. Já entre pais e filhos, a ordem é assimétrica: os pais dão, os filhos recebem e retribuem à vida adiante, não a eles.
A Psicanálise reconhece essa lógica a partir da teoria das trocas simbólicas. Freud, ao falar da dívida simbólica entre gerações, já indicava que algo é transmitido de pais para filhos que não pode ser pago diretamente. O excesso de dádiva, quando não simbolizado, transforma-se em culpa; a falta, em reivindicação ou ressentimento.
Autores contemporâneos da psicanálise relacional, como Jessica Benjamin, ajudam a ampliar a leitura ao descrever que relações saudáveis implicam um movimento contínuo de reconhecimento mútuo: ambos se percebem agentes e vulneráveis, capazes de dar, receber e reparar.
Nesse sentido, o equilíbrio sistêmico proposto por Hellinger converge com a ética psicanalítica da reciprocidade simbólica: vínculos vivos exigem movimento, troca, responsividade e limites claros. A cura se dá quando cada um pode reconhecer o valor tanto do que recebeu quanto do que pode oferecer, sem sacrificar o próprio lugar ou suprimir o outro.
A dimensão de cura: quando o sistema e o sujeito encontram um novo lugar
Unindo as duas perspectivas, percebemos que:
Pertencimento cura feridas da exclusão.
Hierarquia cura distorções de papel e angústias de responsabilidade.
Equilíbrio cura relações onde a dinâmica de troca foi interrompida.
A Psicanálise, ao favorecer o reconhecimento do inconsciente e das repetições, oferece linguagem e elaboração para esses movimentos. As Constelações Sistêmicas, por sua vez, trazem a dimensão fenomenológica e visual que permite ao sujeito experienciar nas dimensões física, emocional e mental novas posições no campo relacional.
Quando dialogam, ambas teorias convergem para um ponto essencial:
a cura começa quando a verdade emocional do sistema pode finalmente ser vista, nomeada e integrada.

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