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Biologia do Amor como paradigma integrativo da Clínica Contemporânea

  • rosangelaferreirap3
  • 30 de jun.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 3 de jul.

Por Rosânggela Fêrreira


Amor como fundação epistêmica: uma mudança de paradigma


A proposta de Humberto Maturana introduz o amor como um princípio fundante da cognição e da convivência, deslocando o conhecimento da objetividade científica para a dimensão relacional e experiencial. Essa é uma mudança paradigmática importante: compreender que não somos seres racionais que amam, mas seres amorosos que, em certas condições, também pensam. A razão, nesse sentido, nasce da emoção.


Maturana rompe com a ideia cartesiana de sujeito isolado e propõe que o conhecimento é sempre co-construído em um espaço de convivência. Isso ressoa com o princípio clínico de presença empática, comum à Psicanálise, às Constelações Sistêmicas e à prática integrativa: não há transformação possível sem a criação de um campo relacional seguro.


"Todo fazer é um fazer no entrelaçamento com outro fazer. Não há indivíduo fora da relação." (Maturana, 1998)


A clínica do reconhecimento: uma escuta encarnada


A Psicanálise, especialmente em sua vertente relacional e contemporânea, tem se voltado para o que Jessica Benjamin (1998) chama de “a terceira posição” — aquele espaço onde o analista e o analisando se reconhecem mutuamente como sujeitos, rompendo com o modelo tradicional de neutralidade interpretativa. Neste lugar de reconhecimento, o afeto ganha centralidade.


Na mesma linha, a clínica sistêmica — seja nas Constelações, seja na terapia familiar — compreende o sofrimento como expressão de desordens nos vínculos. Não se trata de culpabilizar, mas de integrar. Como afirma Bert Hellinger, "o amor interrompido quer continuar", e os sintomas muitas vezes são formas pelas quais o sistema familiar busca curar suas exclusões.


Quando essas abordagens se encontram, o terapeuta deixa de ser apenas um técnico que interpreta sintomas e passa a ser um facilitador de reconexão, alguém que oferece ao paciente um campo relacional onde é possível restaurar a confiança, reconstituir o pertencimento e reorganizar as experiências do eu.


Neurociência afetiva e plasticidade do vínculo


A Neurociência contemporânea oferece um robusto embasamento para essa abordagem integrativa. Estudos sobre neuroplasticidade relacional demonstram que a qualidade do vínculo afetivo pode modificar estruturas e circuitos neurais, especialmente em regiões como o hipocampo, a amígdala, o córtex pré-frontal e o sistema límbico (Schore, 2003; Siegel, 2010).


Experiências de presença, acolhimento e toque afetivo — especialmente na infância, mas também na vida adulta e em contextos terapêuticos — regulam o sistema nervoso autônomo, promovem homeostase e reduzem níveis de cortisol e adrenalina, proporcionando estados de segurança e integração.


A teoria polivagal (Porges, 2011) aprofunda essa compreensão ao mostrar como a ativação do nervo vago ventral, responsável por estados de conexão e calma, é fundamental para a saúde emocional e social. Terapias que promovem escuta empática, co-regulação e pertencimento ajudam a restaurar esse circuito.


O amor como técnica: implicações clínicas


É possível falar de uma clínica do amor — não no sentido sentimental, mas como postura terapêutica radicalmente ética e comprometida com a vida. Amar, nesse contexto, é sustentar a presença diante da dor do outro, legitimar sua existência, permitir que ele se reconecte com o próprio desejo e com os vínculos interrompidos.


A Biologia do Amor nos ensina que:


  • Ninguém muda por coerção, mas por legitimação.


  • O trauma é uma ruptura no campo relacional, e sua cura também é relacional.


  • O corpo guarda a memória dos vínculos — e também a possibilidade de sua reconfiguração.


  • O terapeuta é, antes de tudo, um testemunho amoroso da possibilidade de reinvenção.


Nesse sentido, propomos um modelo clínico integrativo baseado em três pilares:


Pilar Base Epistemológica Prática Clínica


Reconhecimento Psicanálise Escuta empática, elaboração do desejo, holding e framing

Pertencimento Constelação Sistêmica Reintegração de vínculos familiares, ordens do amor

Co-regulação Neurociência Afetiva Segurança neurobiológica, presença encarnada, vínculo terapêutico


Considerações Finais


O diálogo entre Maturana, Psicanálise, Constelações e Neurociência aponta para uma direção comum: a vida humana é relação. Somos feitos de afeto, histórias, traumas, palavras e silêncios. A escuta terapêutica precisa incorporar essa complexidade e oferecer um espaço de cuidado que não seja apenas técnico, mas afetivo, integrativo e transformador.


No tempo da escuta, no gesto do acolhimento, no olhar que reconhece, o amor opera como força restauradora. Amar, na clínica, é permitir que o outro possa ser — e, sendo, possa curar-se.

Referências Bibliográficas


BENJAMIN, J. The Bonds of Love: Psychoanalysis, Feminism, and the Problem of Domination. Pantheon, 1998.


SCHORE, A. Affect Dysregulation and Disorders of the Self. Norton, 2003.


SIEGEL, D. The Mindful Therapist: A Clinician's Guide to Mindsight and Neural Integration. Norton, 2010.


HELLINEGER, B. Ordens do Amor. Cultrix, 2001.


MATURANA, H. Transformação na Convivência. Palas Athena, 1999.


PORGES, S. The Polyvagal Theory. Norton, 2011.


WINNICOTT, D. W. Natureza Humana. Imago, 1988.

 
 
 

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