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Consciência, Neurociência e Espiritualidade: Diálogos Interdisciplinares entre Ken Wilber, Práticas Integrativas e a Fenomenologia Sistêmica

  • rosangelaferreirap3
  • 6 de ago.
  • 5 min de leitura

Por Rosânggela Fêrreira

 

Resumo

 

A consciência é um dos fenômenos mais complexos da experiência humana, sendo estudada por diversas áreas do saber, da neurociência à filosofia, da psicologia à espiritualidade. Este artigo propõe um diálogo entre a Teoria Integral de Ken Wilber, os avanços neurocientíficos sobre os correlatos neurais da consciência e as práticas integrativas de base fenomenológica, como a Constelação Sistêmica. Parte-se da hipótese de que a compreensão da consciência exige uma abordagem multidimensional, que vá além da objetividade empírica e considere também os aspectos subjetivos, relacionais e espirituais da experiência humana. A partir de revisão teórica crítica e interdisciplinar, argumenta-se que práticas como a Constelação Sistêmica e os estados contemplativos podem ser compreendidos como formas legítimas de acessar e reorganizar dimensões da consciência que escapam aos métodos clássicos da ciência. O artigo defende uma ciência ampliada da consciência, integrando evidências empíricas, vivências fenomenológicas e saberes contemplativos.

 

Palavras-chave: Consciência. Neurociência. Práticas Integrativas. Espiritualidade. Fenomenologia. Constelação Sistêmica.

 

1. Introdução

 

A consciência tem sido objeto de investigação ao longo da história da humanidade, desde as tradições espirituais ancestrais até os laboratórios contemporâneos de neurociência. A complexidade desse fenômeno reside em sua natureza dual: por um lado, manifesta-se como evento subjetivo e experiencial; por outro, é investigada por meio de técnicas objetivas que buscam seus correlatos neurobiológicos (CHALMERS, 1996). Frente a essa tensão entre objetividade e subjetividade, surgem propostas integradoras, como a Teoria Integral de Ken Wilber (2000), que propõe um modelo abrangente capaz de articular ciência, filosofia, espiritualidade e cultura.

 

Paralelamente, práticas integrativas como a Constelação Sistêmica têm ganhado espaço no campo da saúde pública e do cuidado terapêutico, ancorando-se em princípios fenomenológicos e relacionais que desafiam as lógicas reducionistas. Este artigo propõe um diálogo entre essas três perspectivas — Wilber, neurociência e práticas fenomenológicas — como caminho para uma abordagem transdisciplinar da consciência.

 

2. A Consciência na Teoria Integral de Ken Wilber

 

Ken Wilber (2000) propõe uma visão da realidade baseada no modelo AQAL (All Quadrants, All Levels), que compreende qualquer fenômeno a partir de quatro dimensões fundamentais: interior individual (vivências subjetivas), exterior individual (correlatos corporais e neurológicos), interior coletivo (cultura e valores) e exterior coletivo (sistemas e estruturas sociais). Segundo o autor, restringir a investigação da consciência ao domínio objetivo e exterior — como costuma ocorrer nas ciências empíricas — é limitar a complexidade do fenômeno.

 

Para Wilber, a evolução da consciência inclui níveis de desenvolvimento que vão do egocêntrico ao transpessoal, sendo a espiritualidade uma expressão legítima e necessária da expansão da consciência. Ele propõe uma “espiritualidade integral”, que não nega a ciência, mas a inclui num contexto mais amplo de saberes (WILBER, 2006).

 

3. A Neurociência da Consciência: Avanços e Limites

 

A neurociência contemporânea tem avançado na identificação dos chamados correlatos neurais da consciência (CNCs), ou seja, os mínimos mecanismos cerebrais necessários para gerar uma experiência consciente específica (KOCH, 2018). Áreas como o córtex pré-frontal, o tálamo e a rede de modo padrão (default mode network) estão entre os principais focos de investigação (DEHAENE, 2014).

 

Entretanto, permanece o “problema difícil da consciência”, formulado por Chalmers (1996), que questiona como processos físico-químicos dão origem à experiência subjetiva, os chamados qualia. Essa lacuna epistemológica sugere a necessidade de uma abordagem mais ampla, que considere também a vivência fenomenológica como fonte válida de conhecimento.

 

4. A Fenomenologia do Cuidado: Constelação Sistêmica como Experiência de Consciência Ampliada

 

A Constelação Sistêmica, desenvolvida por Bert Hellinger, é uma prática integrativa baseada na fenomenologia, nas ordens do amor e em uma compreensão relacional da psique humana (HELLINGER, 2007). Em contextos terapêuticos e grupais, ela permite o acesso a conteúdos inconscientes e transgeracionais por meio da ativação de campos relacionais, nos quais representantes expressam emoções, tensões e movimentos vinculados a sistemas familiares.

 

Apesar de sua natureza não convencional, a Constelação Sistêmica tem sido adotada como Prática Integrativa e Complementar no Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2018), sendo reconhecida por sua capacidade de reorganizar dinâmicas emocionais, promover alívio de sintomas e ampliar a consciência sistêmica dos sujeitos.

 

Do ponto de vista neurocientífico, embora as pesquisas ainda sejam incipientes, é possível encontrar paralelos entre os estados vivenciados em constelações e os chamados estados de fluxo ou consciência expandida, que envolvem a modulação da atividade cerebral, a ativação de redes relacionais e a reorganização emocional (PORGES, 2011; DAVIDSON; KASZNIAK, 2015).

 

 

5. Espiritualidade, Neuroplasticidade e Integração Epistemológica

 

A espiritualidade, entendida não como dogma, mas como dimensão integradora do ser, tem sido objeto crescente de interesse científico. Newberg e Waldman (2009) demonstraram, por meio de neuroimagem, que experiências espirituais intensas ativam áreas cerebrais relacionadas à compaixão, à regulação emocional e ao senso de unidade. Essas descobertas reforçam o argumento de Wilber sobre os “linhagens do desenvolvimento interior” como formas legítimas de evolução da consciência.

 

Além disso, práticas contemplativas como a meditação, muito valorizadas por Wilber e por tradições integrativas, promovem neuroplasticidade positiva, fortalecendo circuitos relacionados à atenção, compaixão e autorregulação emocional (DAMÁSIO, 2011; DAVIDSON; KASZNIAK, 2015).

 

 

6. Considerações Finais

 

A complexidade da consciência exige um modelo epistemológico que vá além das fronteiras disciplinares. O diálogo entre Ken Wilber, a neurociência contemporânea e práticas fenomenológicas como a Constelação Sistêmica aponta para uma ciência ampliada da consciência: rigorosa em sua metodologia, mas aberta à subjetividade, à experiência relacional e à espiritualidade. Trata-se de reconhecer que curar, conhecer e evoluir são movimentos profundamente interligados, que não se esgotam nas sinapses nem nos símbolos, mas florescem no encontro entre corpo, mente, alma e mundo.

 

 

Referências Bibliográficas

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS – PNPIC-SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2018. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/. Acesso em: 03 ago. 2025.

 

CHALMERS, D. J. The Conscious Mind: In Search of a Fundamental Theory. New York: Oxford University Press, 1996.

 

DAMÁSIO, A. R. O Livro da Consciência: a construção do cérebro consciente. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

 

DAVIDSON, R. J.; KASZNIAK, A. W. Conceptual and methodological issues in research on mindfulness and meditation. American Psychologist, v. 70, n. 7, p. 581–592, 2015.

 

DEHAENE, S. Consciousness and the Brain: Deciphering How the Brain Codes Our Thoughts. New York: Viking Penguin, 2014.

 

HELLINGER, B. Ordens do Amor: um guia prático para o trabalho com constelações familiares. São Paulo: Atman, 2007.

 

KOCH, C. The Feeling of Life Itself: Why Consciousness is Widespread but Can't Be Computed. Cambridge, MA: MIT Press, 2018.

 

NEWBERG, A.; WALDMAN, M. R. How God Changes Your Brain: Breakthrough Findings from a Leading Neuroscientist. New York: Ballantine Books, 2009.

 

PORGES, S. W. The Polyvagal Theory: Neurophysiological Foundations of Emotions, Attachment, Communication, and Self-regulation. New York: Norton, 2011.

 

WILBER, K. Uma Teoria de Tudo: Uma Visão Integral para Negócios, Política, Ciência e Espiritualidade. São Paulo: Cultrix, 2000.

 

WILBER, K. Integral Spirituality: A Startling New Role for Religion in the Modern and Postmodern World. Boston: Shambhala, 2006.

 
 
 

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