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Cuidar da mente: entre a ciência do cérebro e a escuta da alma

  • rosangelaferreirap3
  • 3 de set.
  • 3 min de leitura

Por Rosânggela Fêrreira

Cuidar da saúde mental é também cuidar da vida. Muitas vezes imaginamos que isso exige grandes mudanças, mas na realidade são os pequenos gestos cotidianos que vão moldando tanto o cérebro quanto a forma como nos relacionamos conosco e com os outros. A neurociência nos mostra que cada hábito pode transformar a arquitetura cerebral pela neuroplasticidade, enquanto a psicanálise nos lembra que somos sujeitos de desejo, atravessados por experiências inconscientes que encontram expressão em nossos vínculos, sintomas e modos de estar no mundo.


Estabelecer uma rotina equilibrada, por exemplo, não é apenas organizar horários, mas criar um espaço de previsibilidade que regula tanto os ritmos biológicos quanto os afetivos. O cérebro se beneficia quando encontra regularidade no sono e na alimentação, e o psiquismo também se apoia em rituais que oferecem continência diante da angústia.


O movimento corporal vai além do benefício físico: caminhar, dançar ou alongar-se são formas de liberar endorfinas, reduzindo o estresse, mas também de dar passagem à energia pulsional que, se não encontra expressão, retorna em forma de tensão psíquica. Da mesma forma, a alimentação saudável nutre não só o corpo e o cérebro, mas simbolicamente pode ser um gesto de reparação consigo mesmo, uma nova forma de cuidar daquela criança interior que um dia encontrou no alimento sua primeira experiência de satisfação.


Respirar conscientemente ou meditar não são apenas técnicas modernas: são convites para o silêncio interno, ativando circuitos cerebrais ligados ao relaxamento, mas também permitindo que o sujeito se escute, que perceba seus próprios afetos e elabore o que muitas vezes fica encoberto pelo barulho do cotidiano.


Nesse mesmo sentido, limitar o excesso de notícias e redes sociais é uma forma de proteger a mente da sobrecarga de estímulos. O excesso de informação pode gerar ansiedade, e também funciona como um refúgio que mascara o vazio. Desconectar-se, portanto, abre espaço para um encontro mais genuíno consigo mesmo.


As relações humanas também são parte essencial desse cuidado. A neurociência já mostrou que vínculos seguros liberam ocitocina e fortalecem nossa resiliência emocional. A psicanálise, por sua vez, sustenta que o laço social é estruturante: é na relação com o outro que elaboramos nossas feridas e construímos nossa identidade.


O sono merece um capítulo à parte: durante a noite, o cérebro consolida memórias, regula emoções e restaura conexões. Ao mesmo tempo, os sonhos oferecem à psique um espaço de simbolização, onde conteúdos inconscientes podem se manifestar e ser parcialmente elaborados. Dormir bem, portanto, é um ato de cuidado biológico e também psíquico.


Não menos importante é reservar momentos de prazer. O circuito de recompensa cerebral se ativa quando ouvimos música, pintamos ou lemos um bom livro, aumentando nossa motivação e fortalecendo a resiliência. Na perspectiva psicanalítica, o prazer não é apenas descarga de tensão, mas um modo de acessar o próprio desejo e dar espaço à criatividade.


Praticar a autocompaixão também é um exercício de saúde mental. A neurociência indica que essa atitude fortalece áreas do cérebro ligadas à regulação emocional, enquanto a psicanálise nos convida a reconhecer a própria vulnerabilidade sem recorrer à autocrítica punitiva. Tratar-se com gentileza é uma forma de reconciliação com a própria história.


E quando os recursos pessoais não são suficientes, buscar ajuda profissional é um passo de coragem. A análise, seja em abordagens mais voltadas para o funcionamento cerebral ou para a escuta do inconsciente, pode abrir caminhos de transformação, reorganizando padrões e oferecendo um espaço de elaboração simbólica que nos devolve a capacidade de criar novos sentidos para a vida.


No fundo, cuidar da saúde mental é um processo de integração: corpo e mente, biologia e inconsciente, ciência e subjetividade. Cada gesto simples como dormir bem, mover-se, respirar, relacionar-se, comer com atenção é também um ato simbólico, que afirma o valor da vida e abre espaço para que possamos existir de forma mais inteira, consciente e conectada.

 
 
 

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