top of page
Buscar

Memória, afeto e o cérebro que cozinha lembranças

  • rosangelaferreirap3
  • 8 de nov.
  • 2 min de leitura

Por Rosânggela Fêrreira


Plantar tomates, colher o fruto do próprio cuidado e transformar essa colheita em molho é mais do que uma simples prática culinária. É um mergulho nas camadas mais profundas da memória afetiva, aquelas que guardam o cheiro do tempero da avó, o som da panela fervendo e o gesto cuidadoso de quem nos ensinou o sabor do amor.


Do ponto de vista da neurociência, esse ritual desperta redes inteiras do cérebro que integram emoção, memória e prazer. O hipocampo resgata lembranças autobiográficas, e o sistema límbico, especialmente a amígdala, colore essas imagens com emoção e significado. Os aromas e sabores ativam o córtex orbitofrontal, área relacionada à percepção de prazer, enquanto o sistema dopaminérgico reforça a sensação de recompensa e bem-estar (DAMÁSIO, 2018).


Mas há algo ainda mais profundo: ao cozinhar, o corpo e o cérebro se encontram num gesto de presença. O córtex pré-frontal coordena atenção, planejamento e sentido, enquanto o movimento das mãos, guiado por uma memória que é também sensorial, ativa circuitos motores e estimula a neuroplasticidade, fortalecendo conexões neurais que sustentam a concentração e a autorregulação emocional (KOLB; WHISHAW, 2021).


Quando a lembrança da avó surge, com sua doçura, sua sabedoria e seu cheiro de molho no fogão, a oxitocina e a serotonina entram em cena, promovendo sensação de vínculo, aconchego e pertencimento. A ciência mostra que reativar memórias afetivas positivas tem o poder de reduzir o estresse, equilibrar o sistema nervoso e ampliar a sensação de segurança interna (PERT, 1997; SIEGEL, 2020).


No fundo, fazer o molho da avó é uma forma de o cérebro cozinhar amor e significado. Um gesto simples, mas profundamente terapêutico: que une o passado e o presente, corpo e emoção, ancestralidade e presença.

Porque em cada tomate que amadurece, há também uma história que floresce dentro de nós, uma história que revela, como diria Maturana, que “amar é permitir que o outro seja” (MATURANA, 1998).



Referências Bibliográficas


DAMÁSIO, António R. A Estranha Ordem das Coisas: As Origens Biológicas dos Sentimentos e da Cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.


KOLB, Bryan; WHISHAW, Ian Q. Neurociência do Comportamento. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2021.


MATURANA, Humberto. A Ontologia do Conversar e o Amor. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.


PERT, Candace B. Molecules of Emotion: The Science Behind Mind-Body Medicine. New York: Scribner, 1997.


SIEGEL, Daniel J. Mindsight: A Nova Ciência da Transformação Pessoal. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2020.

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo
O peso de querer que o outro queira

Quando o cuidado, silenciosamente, se transforma em controle Por Rosânggela Fêrreira Há um território delicado nas relações humanas onde o cuidado deixa de ser presença e passa a ser condução. Um esp

 
 
 

Comentários


Todos os direitos reservados -  © Copyright 2024 - Rosângela Ferreira

bottom of page