Neurovisão e Subjetividade: o Cérebro que Interpreta o Mundo
- rosangelaferreirap3
- 6 de ago.
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Por Rosânggela Fêrreira
A visão não é apenas um processo biológico de captação de estímulos visuais, mas uma experiência subjetiva construída pelo cérebro a partir de interações com a memória, a emoção e o ambiente relacional. Este artigo propõe um diálogo entre Neurociência, Psicanálise e Pensamento Sistêmico para compreender a Neurovisão como um fenômeno que ultrapassa os limites fisiológicos e adentra o campo da interpretação subjetiva do mundo. A partir de uma abordagem transdisciplinar, discute-se como o sujeito vê não apenas com os olhos, mas com as estruturas simbólicas, afetivas e relacionais que sustentam sua identidade e percepção. A visão, nesse sentido, é uma interface entre corpo, mente e contexto, exigindo uma escuta clínica e científica que acolha sua complexidade.
Palavras-chave: Neurovisão. Subjetividade. Psicanálise. Pensamento Sistêmico. Percepção Visual.
Introdução
O ato de ver é comumente associado à função dos olhos, mas os avanços da Neurociência mostram que a visão é uma construção cerebral que envolve redes complexas de processamento de estímulos, modulação emocional e memória. Esse processo, denominado aqui como Neurovisão, revela que enxergar o mundo é também interpretá-lo — e essa interpretação é moldada por fatores subjetivos, inconscientes e relacionais. Este artigo propõe uma leitura ampliada do fenômeno visual, integrando fundamentos da Neurociência, da Psicanálise e do Pensamento Sistêmico, com o objetivo de compreender como o cérebro interpreta o mundo a partir do lugar de um sujeito situado em redes de afeto e sentido.
Neurovisão: ver com o cérebro
Do ponto de vista neurofisiológico, a visão é o resultado de um processamento complexo que envolve desde a captação de estímulos luminosos na retina até a interpretação final no córtex visual e áreas associativas. A informação captada pelos olhos percorre o nervo óptico até o córtex occipital, onde é decodificada e integrada por redes neurais distribuídas, principalmente nos lobos temporal, parietal e pré-frontal. Estudos indicam que aproximadamente 40% do córtex cerebral está envolvido com a visão (Kandel et al., 2014), evidenciando sua importância central na construção da experiência consciente.
No entanto, o cérebro não opera de forma neutra: a percepção visual é constantemente influenciada pela memória, expectativa, emoção e contexto. A visão é, portanto, não apenas uma função sensorial, mas um fenômeno cognitivo-emocional.
A subjetividade do olhar na Psicanálise
A Psicanálise compreende a percepção como atravessada pelo inconsciente. O sujeito não vê o real em sua pureza objetiva, mas o que seu psiquismo permite acessar e interpretar. Lacan (1964) destaca que o olhar é uma função simbólica, onde o sujeito se constitui na relação com o outro e com a imagem. A visão é mediada por fantasias inconscientes, pulsões, e pela estrutura simbólica do desejo.
Nesse sentido, o que se vê é sempre uma construção psíquica. A imagem do outro, de si mesmo ou do mundo está impregnada por projeções e representações internas que resultam da história do sujeito. Assim, o olhar se torna um instrumento de subjetivação, onde a realidade externa é constantemente filtrada pelas estruturas internas da mente.
O olhar que emerge do campo relacional
O Pensamento Sistêmico amplia o entendimento da visão ao considerar o sujeito em sua rede de pertencimentos. Segundo Maturana e Varela (1997), todo ato de conhecer é um ato de distinção realizado por um observador, que está necessariamente situado em um contexto relacional. A visão, nesse sentido, é também uma construção coletiva e intersubjetiva.
A percepção visual é modulada por vínculos afetivos, normas sociais e estruturas familiares. O modo como o sujeito vê uma situação, um outro ou a si mesmo está intrinsecamente relacionado ao campo relacional em que está inserido. A Biologia do Amor, proposta por Maturana, reforça que o conhecer — e, por extensão, o ver — nasce da relação, do vínculo e da emoção.
Implicações clínicas e epistemológicas
Compreender a Neurovisão como uma construção subjetiva e relacional tem desdobramentos importantes na prática clínica e nos campos do cuidado e da educação. A forma como o sujeito enxerga sua própria história, seus vínculos e possibilidades de existência pode ser resignificada em processos terapêuticos que acolhem a complexidade do ver.
No campo da saúde mental, reconhecer que a percepção está atravessada por traumas, projeções e vínculos disfuncionais permite intervenções mais profundas e respeitosas. Já na epistemologia do cuidado, reconhecer a singularidade do olhar de cada sujeito torna-se um gesto de validação e humanidade.
Considerações finais
Ver é interpretar. A Neurovisão nos mostra que o cérebro não apenas processa luzes e formas, mas atribui sentido ao que vê com base em estruturas subjetivas, inconscientes e relacionais. Integrar Neurociência, Psicanálise e Pensamento Sistêmico é, portanto, uma via potente para compreender a experiência visual como fenômeno complexo que liga corpo, mente e mundo.
Referências Bibliográficas
Kandel, E. R., Schwartz, J. H., Jessell, T. M., Siegelbaum, S. A., & Hudspeth, A. J. (2014). Princípios de neurociência (5. ed.). Porto Alegre: AMGH.
Lacan, J. (1985). Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise: O seminário, livro 11 (A. Ribeiro, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar. (Original publicado em 1964).
Maturana, H. R., & Varela, F. J. (1997). A árvore do conhecimento: As bases biológicas do entendimento humano (M. da V. B. N. Franco, Trad.). São Paulo: Palas Athena.

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