top of page
Buscar

O medo de envelhecer e a impossibilidade de viver o presente

  • rosangelaferreirap3
  • 10 de nov.
  • 4 min de leitura

Por Rosânggela Fêrreira


O presente artigo propõe uma reflexão interdisciplinar sobre o medo de envelhecer como expressão contemporânea da resistência psíquica à finitude e sua relação com a dificuldade de viver o tempo presente. A partir do diálogo entre a Psicanálise, a Neurociência e o Desenvolvimento Humano, busca-se compreender como o envelhecimento, frequentemente associado à perda e ao declínio, pode ser ressignificado como processo de integração, aprendizado e florescimento. A análise evidencia que o medo da velhice não se reduz a uma questão biológica, mas revela dimensões afetivas, simbólicas e sociais que impactam a autorregulação emocional e a experiência subjetiva do tempo. Conclui-se que o envelhecer consciente, sustentado pela presença e pelo sentido existencial, constitui um caminho de maturação psíquica e expansão da consciência.


Palavras-chave: envelhecimento; medo; psicanálise; neurociência; florescimento humano.



Abstract


This article presents an interdisciplinary reflection on the fear of aging as a contemporary expression of psychic resistance to finitude and its relationship with the difficulty of living in the present moment. Based on the dialogue between Psychoanalysis, Neuroscience, and Human Development, the study aims to understand how aging—often associated with loss and decline—can be re-signified as a process of integration, learning, and flourishing. The analysis demonstrates that the fear of aging transcends biological aspects, revealing affective, symbolic, and social dimensions that impact emotional self-regulation and the subjective experience of time. It concludes that conscious aging, supported by presence and existential meaning, constitutes a path toward psychic maturation and expanded awareness.


Keywords: aging; fear; psychoanalysis; neuroscience; human flourishing.



Introdução


O medo de envelhecer é um fenômeno psicossocial que atravessa a cultura contemporânea e reflete não apenas a angústia diante da passagem do tempo, mas também a dificuldade de se relacionar com a própria vulnerabilidade e finitude. Em uma sociedade que valoriza o desempenho, a produtividade e a aparência, envelhecer torna-se sinônimo de perda de valor e visibilidade. Essa vivência repercute tanto nos processos subjetivos quanto nas dimensões neurobiológicas e relacionais do ser humano.


A partir de uma abordagem interdisciplinar, este artigo pretende articular o olhar psicanalítico, que compreende o envelhecimento como elaboração simbólica do tempo e da perda, com os aportes da neurociência, que revela a plasticidade e a adaptabilidade do cérebro em todas as fases da vida, e com a perspectiva do desenvolvimento humano, que vê o envelhecer como fase potencial de integração e florescimento.


A dimensão psíquica do medo de envelhecer


Para a Psicanálise, o envelhecer convoca um trabalho de luto. Freud (1915) destaca, em A transitoriedade, que a efemeridade é constitutiva da beleza e do valor da vida. Contudo, o ego tende a resistir à passagem do tempo, ativando mecanismos de defesa como a negação e a idealização da juventude. Essa resistência é uma tentativa de manter o sentimento de controle sobre o corpo e sobre o próprio destino.


O medo de envelhecer emerge, então, como angústia diante da perda de potência, da fragilidade e da proximidade simbólica com a morte. Quando o sujeito não consegue elaborar esse luto, instala-se um aprisionamento no passado ou na expectativa de um futuro idealizado, impossibilitando o contato pleno com o presente. Winnicott (1971) nos lembra que a maturidade emocional se constrói na capacidade de estar só na presença do outro — e essa solidão amadurecida é condição para habitar o tempo com serenidade.


Neurociência do envelhecer: entre medo e plasticidade


Sob o ponto de vista neurocientífico, o medo de envelhecer ativa os circuitos cerebrais do sistema límbico, especialmente a amígdala, região envolvida nas respostas emocionais ao perigo. Essa hiperativação, quando crônica, inibe o funcionamento do córtex pré-frontal, comprometendo a autorregulação emocional, a clareza cognitiva e a capacidade de viver o aqui e agora (Davidson & McEwen, 2012).


Contudo, as descobertas sobre neuroplasticidade desafiam o mito do declínio inevitável. O cérebro permanece capaz de aprender, criar novas conexões e desenvolver novas competências ao longo de toda a vida. Práticas contemplativas, relações afetivas significativas, aprendizagem continuada e exercícios de atenção plena promovem o equilíbrio neuroquímico e fortalecem as redes neurais da consciência e do bem-estar (Siegel, 2012).


Assim, envelhecer pode ser compreendido como um processo neuroplástico de reorganização, não apenas biológica, mas também emocional e espiritual, que amplia a percepção de si e do mundo.


Florescimento humano e a integração do tempo


O florescimento humano é um conceito que articula bem-estar, propósito e autorrealização. Erikson (1959) descreve a última etapa do desenvolvimento psicossocial como o confronto entre integridade do ego e desespero. A integridade surge quando o indivíduo revisita sua história com aceitação e sentido, reconhecendo que as experiências, mesmo as dolorosas, compõem um tecido de significados.


A Psicologia Positiva e a Neurociência Contemplativa reforçam que o florescimento decorre da presença consciente, da gratidão e da autocompaixão. Ao integrar as diferentes fases da vida, o sujeito transcende a ilusão do controle e passa a reconhecer o envelhecer como expressão natural da vida em movimento. Nesse processo, o medo cede espaço à serenidade e à expansão da consciência.



Considerações finais


O medo de envelhecer revela a tensão entre a necessidade de permanência e a inevitabilidade da mudança. Do ponto de vista psicanalítico, ele expressa a dificuldade em elaborar a finitude e a perda de idealizações narcísicas. Do ponto de vista neurocientífico, traduz-se em padrões de estresse e disfunção autorregulatória que limitam a experiência do presente. Já na perspectiva do desenvolvimento humano, o envelhecer pode ser compreendido como caminho de sabedoria, integração e florescimento.


Habitar o presente é, portanto, a via para reconciliar-se com o tempo. Quando o sujeito reconhece que viver é um processo contínuo de transformação, o envelhecer deixa de ser ameaça e se torna travessia. O corpo que muda não é sinal de decadência, mas testemunho de experiência e presença. E é justamente nessa aceitação que se encontra a verdadeira juventude da alma: a capacidade de continuar aprendendo, amando e se transformando.


Referências Bibliográficas


DAVIDSON, Richard J.; McEWEN, Bruce S. Social influences on neuroplasticity: stress and interventions to promote well-being. Nature Neuroscience, v. 15, p. 689–695, 2012.


ERIKSON, Erik. Identity and the Life Cycle. New York: W. W. Norton, 1959.


FREUD, Sigmund. A transitoriedade (1915). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.


SIEGEL, Daniel J. The Developing Mind: How Relationships and the Brain Interact to Shape Who We Are. New York: Guilford Press, 2012.


WINNICOTT, Donald W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1971.

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo
O peso de querer que o outro queira

Quando o cuidado, silenciosamente, se transforma em controle Por Rosânggela Fêrreira Há um território delicado nas relações humanas onde o cuidado deixa de ser presença e passa a ser condução. Um esp

 
 
 

Comentários


Todos os direitos reservados -  © Copyright 2024 - Rosângela Ferreira

bottom of page