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Pilares do Alinhamento Biossistêmico: Corpo, Subjetividade e Relação na Clínica Contemporânea

  • rosangelaferreirap3
  • 6 de ago.
  • 4 min de leitura

 

Por Rosânggela Fêrreira

 

O alinhamento biossistêmico emerge como uma proposta terapêutica integrativa que busca reconectar o ser humano à sua matriz vital por meio da escuta do corpo, das emoções e das redes relacionais que o constituem. Essa abordagem se ancora em um diálogo transdisciplinar entre a psicanálise corporal, as neurociências afetivas e a teoria sistêmica, reconhecendo que saúde psíquica não se reduz à ausência de sintomas, mas à capacidade de sentir, regular-se e se vincular com o mundo.

 

Corpo, emoção e psique: unidade indissociável

 

A escuta biossistêmica parte do pressuposto reichiano de que o corpo guarda as marcas das experiências emocionais. Para Reich (1989), “o caráter é o corpo vivido”, e suas couraças musculares não apenas protegem o sujeito, mas o aprisionam em formas fixas de defesa. A partir desse olhar, o sofrimento não é apenas verbalizável, mas visível, palpável e respirável. Lowen (1977), ao desenvolver a bioenergética, reforça essa ideia ao afirmar que a psicoterapia corporal busca restabelecer o fluxo da energia vital reprimida pelas estruturas defensivas.

 

A autorregulação como chave do equilíbrio psicossomático

 

A partir da interface com as neurociências, especialmente com a Teoria Polivagal de Stephen Porges (2011), compreende-se que o sistema nervoso autônomo responde às experiências relacionais com padrões de defesa (luta, fuga ou congelamento) que, quando cronicamente ativados, geram sofrimento físico e psíquico. O alinhamento biossistêmico propõe práticas corporais que favorecem a co-regulação afetiva e o restabelecimento da segurança interna, condição essencial para a cura.

 

A respiração como via de acesso ao inconsciente somático

 

A respiração, muitas vezes negligenciada nos processos terapêuticos convencionais, torna-se um instrumento clínico privilegiado no biossistêmico. David Boadella (1993), criador da Biossíntese, descreve a respiração como um eixo de integração entre os fluxos energéticos, emocionais e relacionais. Técnicas respiratórias acessam camadas profundas da memória corporal, permitindo ao sujeito entrar em contato com conteúdos inconscientes que, por vezes, jamais chegaram à linguagem.

 

A escuta como presença encarnada

 

A escuta terapêutica no alinhamento biossistêmico é mais do que escuta verbal; é uma presença viva, que acolhe o corpo do outro em sua singularidade e temporalidade. Nesse sentido, ressoa a psicanálise winnicottiana, quando afirma que a cura se dá pela experiência de ser sustentado no vínculo (WINNICOTT, 1983). Rodrigo Ribeiro (2019) complementa que a “escuta sensível” envolve o silêncio, a pele, a respiração e o olhar — instrumentos de uma escuta que também se faz corpo.

 

Vínculo, neuroplasticidade e segurança

 

Daniel Siegel (2017), integrando neurociência e teoria do apego, mostra que o cérebro humano se desenvolve em resposta às experiências relacionais. A construção de vínculos seguros reconfigura redes neurais e promove o que ele chama de neurointegração — uma harmonia entre corpo, emoção e cognição. O alinhamento biossistêmico oferece uma experiência corretiva no vínculo terapêutico, favorecendo a plasticidade cerebral e a ampliação da capacidade de estar consigo e com o outro.

 

A consciência sistêmica e o campo relacional ampliado

 

Inspirado na Teoria Geral dos Sistemas (Bertalanffy), no pensamento ecológico (Capra, 2002) e nas Constelações Sistêmicas de Bert Hellinger (2001), o alinhamento biossistêmico compreende o sujeito como parte de campos interdependentes: familiares, culturais, sociais e simbólicos. A dor que se expressa no corpo de um indivíduo pode ser a reverberação de um enredo coletivo não resolvido. Trazer à consciência esses vínculos ocultos permite um novo lugar para o sujeito na sua história.

 

Tempo interno e ritmo da cura

 

A abordagem biossistêmica respeita o ritmo de cada organismo, reconhecendo que o corpo possui sua própria temporalidade de processamento. Como já observava Françoise Dolto (1984), o corpo é o primeiro inconsciente. A clínica, nesse sentido, é um espaço de escuta do tempo subjetivo, em contraposição à lógica da performance e da eficácia imediata que muitas vezes invade os espaços terapêuticos contemporâneos.

 

Reconexão e sentido existencial

 

Por fim, o alinhamento biossistêmico aponta para uma reconexão com o sentido da existência. Doidge (2009) demonstra que o cérebro é capaz de transformar-se em qualquer etapa da vida. Se há plasticidade, há também potência. E essa potência emerge quando o sujeito é convidado a habitar seu corpo, suas emoções e seus vínculos de maneira mais presente e autêntica.


Considerações finais

 

A potência do alinhamento biossistêmico reside em sua capacidade de integrar saberes, transitar entre disciplinas e resgatar a sabedoria do corpo como lugar legítimo de conhecimento e cura. Em tempos de fragmentação e automatização do cuidado, essa abordagem resgata a escuta amorosa, o vínculo, o tempo e o corpo como fundamentos éticos da clínica.

 

Referências Bibliográficas

 

BOADELLA, David. Luz e respiração: psicoterapia biossistêmica. São Paulo: Summus, 1993.

 

BOWLBY, John. Apego: a natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

 

CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix, 2002.

 

DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

 

DOLTO, Françoise. O inconsciente corporal. São Paulo: Perspectiva, 1984.

 

DOIDGE, Norman. O cérebro que se transforma. Rio de Janeiro: Record, 2009.

 

HELLINGER, Bert. Ordens do amor. São Paulo: Cultrix, 2001.

 

LOWEN, Alexander. O corpo em terapia: a abordagem bioenergética. São Paulo: Summus, 1977.

 

PORGES, Stephen W. The polyvagal theory: neurophysiological foundations of emotions, attachment, communication, and self-regulation. New York: Norton, 2011.

 

REICH, Wilhelm. Análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

 

RIBEIRO, Rodrigo. Escuta sensível: a clínica como espaço de acolhimento do corpo. São Paulo: Zagodoni, 2019.

 

SIEGEL, Daniel J. A mente em desenvolvimento: como as relações interpessoais e o cérebro interagem para moldar quem somos. Porto Alegre: Artmed, 2017.

 

VAN DER KOLK, Bessel. O corpo guarda as marcas: cérebro, mente e corpo na cura do trauma. São Paulo: Vestígio, 2018.

 

WINNICOTT, Donald W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.

 
 
 

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